quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

As lentes, a neblina e a pausa mental

"No final de todo banho eu desligo a água quente e deixo correr a água fria. 
Ficar sob essa ducha gelada por alguns minutos libera minha mente de tudo - das coisas boas e ruins. Isso me dá uma pausa mental, porque é o corpo que lida com o estado de desconforto, e zerar a mente me ajuda a lembrar que eu consigo passar por qualquer coisa"
Marcus Luttrell, ex SEAL da Marinha Norte-Americana.


Nesta madrugada fiz uma burrada aconteceu algo que me deixou com a sensação de "como fui capaz?":

Contexto: dormi na sala, assistindo TV. Normal. Fui dormir no quarto no meio da noite, naquele momento em que você se assemelha mais a um zumbi do The Walking Dead, se arrastando pela casa com medo de dar aquela topada no dedinho do pé. Continuo meu sono na cama. Em alguns instantes, acordo com os olhos lacrimejando: - "Pqp! Esqueci de tirar as lentes de contato". Sou quase um Mr. Magoo sem elas e, por vezes, consigo me esquecer de retirá-las antes de deitar. Ontem não foi diferente.

Fui até o banheiro, peguei o estojo das lentes, retirei o objeto incômodo dos meus olhos e guardei novamente o estojo em seu lugar. Em uma privação total de sentidos, por algum motivo que não sei dizer qual é (talvez seja por sonambulismo), recomecei o processo de retirada das lentes de contato, já as tendo retirado. Não sei como, mas não consegui raciocinar de modo a me lembrar que já havia resolvido o problema.

Com a ideia fixa na cabeça de que eu tinha que dormir, mas antes disso, tirar as lentes, continuei insistindo em tentar tirar algo que já não existia. Depois de uns bons minutos, o desespero começou a tomar conta, afinal, por que raios aquela lente havia grudado nos meus olhos? As iniciativas iam tornando-se cada vez mais desesperadas: colírio não resolvia. Soro fisiológico, tão pouco. Esfregar as pálpebras, cada vez com mais força, também não fazia a lente se movimentar, perfeitamente encaixada sobre a íris que estava.

As minhas técnicas de retirada iam tornando-se cada vez mais radicais. O movimento natural que aprendi a fazer para tirar as lentes  - puxar os olhos até virar japonês, piscar e pronto: a lente pula - já não funcionava. Quanto mais "japonês" eu ficava, mais a lente grudava. Nesse momento, os meus olhos já estavam pra lá de irritados e inchados. Tentei a técnica tradicional: puxá-la de dentro dos olhos com os dedos: mais um fracasso, e mais irritação.

- "Não é possível!" pensava eu, já ofegante, lá pelas 3h da madrugada. Numa tentativa desesperada de desgrudar as - inexistentes - lentes, peguei um cotonete e comecei a esfregá-lo em meus olhos, na esperança de sentir as lentes se mexendo. Mais uma vez, frustração. Eu já pensava no pior, em pegar o carro e correr para o pronto socorro por causa da bendita lente que não me deixava em paz. Cogitei estar participando dos Jogos Mortais (sim, O Inconsequente aqui é exagerado).

Em um momento, já cansado e conformado em me trocar e ir com os olhos inchados e machucados para o hospital, olho em cima da pia. Ainda não havia guardado o estojo. Para a minha surpresa, no estojo aberto, estavam, cada uma em seu lugar, as lentes. Nesse momento percebi de que tudo o que eu vinha fazendo - e sofrendo -  até aquela hora era em vão. Depois de pensar o quanto eu tinha me precipitado, peguei uma bolsa de gelo e um pano, e dormi com a compressa gelada sobre meus olhos até o despertador tocar.

Pensei nesse episódio hoje o dia todo, e lembrei-me da citação que abre este post. Às vezes não conseguimos nos dar um tempo para desligar de tudo aquilo que está a nossa volta e pensar somente no que de fato acontece, no concreto, no real. Estamos acostumados a nos manter em uma confortável neblina, onde somos os senhores dos acontecimentos. Muitas vezes essa mesma neblina, criada por nós, faz com que não enxerguemos o óbvio.

A pausa mental, principalmente diante dessa enxurrada de informações e velocidade em que nos encontramos hoje, é essencial. Ela pode nos dar ao menos uma noção de caminho, de calma, de bom senso. Por isso, caro Marcus Luttrell, vou me apropriar do seu hábito até encontrar a melhor forma de me dar uma pausa mental. Pode ser que eu durma de lentes novamente.