terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Sobre Tintim, devaneios e solidão

Hoje fui ao cinema sozinho. Há muitos anos que não fazia isso. Para ser sincero, desde que fui assistir ao Titanic pela terceira vez. Foi uma sensação estranha entrar em um lugar em que era comum estar sempre acompanhado. Havia pouca gente. Pudera, por mais que seja uma véspera de feriado, o filme começava as quinze para as seis. Resolvi assistir de última hora, depois de uma estafante reunião de trabalho.

Em cima da hora, compro minha entrada, providencio um combo recompensador de pipoca, refri e balas de goma. Tradicional. Escolho cuidadosamente o lugar no cinema, diferente do canto que sento há anos. Mais algumas pessoas entram na sala, mas ainda assim fico com a impressão de estar ali sozinho. Solidão e ansiedade tomam meu corpo.

As luzes diminuem, a mensagem de segurança do cinema é exibida. Fico apreensivo. Tintim, meu companheiro de infância, me aguardava pacientemente atrás dos trailers que teimavam em não acabar, ao contrário do nível da pipoca que, neste momento, já correspondia aos créditos.

Inicia-se, finalmente. É possível perceber, logo nos primeiros segundos do filme, que trata-se de uma obra de arte. Cada fio de cabelo, cada característica dos personagens iam aflorando cristalinamente em minha memória. Com as lembranças, vinham também milhares de sentimentos que estavam guardados e esquecidos dentro de mim. Por mais que conhecesse a história de cabo a rabo, a cada fala, a cada cena e a cada detalhe revelado, uma parte da infância e, principalmente, daquela pessoa que eu tanto gostava de ser e que, contra a minha vontade, foi se modificando aos poucos, vinha à tona.

No desenrolar do filme, me peguei tão à vontade que parecia estar assistindo ao desenho na minha antiga casa, na TV de madeira, depois da memorável sequência da TV cultura na época: Glub-Glub, Rá-Tim-Bum, Anos IncríveisMundo de Beakman, Castelo Rá-Tim-Bum e, finalmente, Tintim.

Duas horas se passaram como minutos. Não é exagero dizer que Tintim está muito acima de outros heróis. Ao contrário de Harry Potter, ele não usa magia. Não precisou de mutações genéticas, como Hulk e Homem Aranha. Não se beneficia da tecnologia, como o Homem de Ferro. Tudo o que ele usa é a inteligência e a coragem.

Acaba o filme e a fica a sensação: Já? Cadê a continuação? Depois do fim dos créditos, já sem ninguém na sala, me conformei e pus-me no caminho de casa.

Como o ônibus estava demorando, me flagrei em um dos meus milhares de devaneios diários. Pensava em como ir ao cinema sozinho foi bom. Em como o sentimento de solidão está somente, e tão somente, dentro de nós. Em nenhum momento durante o programa, me senti sozinho. A liberdade de estar lá só para satisfazer a minha própria vontade me fez perceber que a solidão é uma opção que escolhemos, e não uma condição que nos é imposta.

Jamais estamos sozinhos. Carregamos sempre a melhor e mais sincera companhia que podemos ter: nós mesmos. O papo de que "é impossível ser feliz sozinho", como já dizia o poeta, é verdade até a página dois. Diria que, no caminho para ser feliz, está a felicidade em saber apreciar a própria companhia. Neste caso, a solidão é uma questão de perspectiva.

Só então, a partir da autovalorização é que os portões da felicidade se abrem. Claro, pois não reside em um terceiro a decisão, o peso e a responsabilidade de conceder a felicidade. Essa tarefa já foi cumprida, um passo antes, por quem de fato e de direito responde por ela: nós mesmos.

Pense, ainda sobre o exemplo do filme. Tintim é, basicamente, sozinho. Ninguém, além de seu cachorro Milu, faz parte do seu convívio diário. Sim, ele conta com amigos como Capitão Haddock e os atrapalhados Dupont e Dupont. Mas não depende deles para seguir em frente.

Por fim, chego à conclusão que assistir ao filme sozinho não foi bom somente para me abrir os olhos para algo que até então julgava ser o retrato da solidão. Assistir Tintim sozinho foi, sem sombra de dúvidas, o melhor e mais profundo mergulho que dei dentro de mim.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Chocante simplicidade

É curioso observar que quanto mais o tempo passa, mais complexas as coisas e suas composições ficam.  A tecnologia e os sentimentos, representando o antagonismo, dão a impressão de que não há limites para a ciência do "complicômetro".

Atualmente nada mais choca. Aliás, na arte, por exemplo, o último que fez isso foi Marcel Duchamp e o seu famoso mictório. A partir de lá, estamos em uma busca incessante por choques e mais choques de diferentes naturezas e culturas, que foram se sucedendo de modo a criar um efeito em cadeia, fazendo com que hoje não nos choquemos mais.

Os artistas, sinto dizer, pouco ou nada chocam. Claro, estamos falando daqueles cujo propósito é chocar. A nudez já não é um escândalo. Pinturas, tampouco. Músicas delatoras, já não fazem mais sucesso. Nem mesmo aquelas cujo mote principal é sexo e palavrão.

Voltando ao assunto, hoje o calo das pessoas com está muito grande. O choque com atitudes, discursos, e as artes em geral, já entrou em uma preocupante e irreparável banalização. Isso impede que assuntos verdadeiramente importantes (e chocantes) como a política e seus desdobramentos, por exemplo, sejam ignorados. Os choques que sofremos foram tantos e tão frenéticos que nos tornou passivos, conformados com situações que deveriam ser inaceitáveis.

Sabendo que tudo não é nada mais do que um ciclo, atualmente o que choca são as coisas verdadeiramente simples. Vemos casamentos rebuscados, festas estonteantes, comidas cheias de frufrus, computadores com games incríveis. Mas o que lembramos é daquele namorico de portão, da reunião não planejada com os amigos, do arroz com feijão da mãe e a emoção do esconde-esconde. Tudo, além de não depender da tecnologia, era de graça.

Por isso, faço mea-culpa aqui e retifico o dito acima: não é a simplicidade que choca.

A simplicidade encanta.

No fim, fica o apelo: vamos parar de tentar chocar. O choque já nos foi muito útil em outros tempos. Em meio a um turbilhão de emoções, informações e inovações, o que faz a diferença é a simplicidade genuína e sincera, que não precisa de rococós para acontecer e encantar.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Trabalhando a velocidade interna

De tempos em tempos, algumas coisas chamam a atenção em momentos absolutamente inusitados. O último insight foi durante uma palestra, em uma convenção da empresa. Uma frase do renomado palestrante ecoou nos ouvidos e fez o mais absoluto sentido. Ele disse que, segundo a psicologia, temos que manter a nossa velocidade interna baixa.

Não sou psicólogo e tampouco pretendo aqui explicar o que este termo significa em sua literalidade. Vou me limitar a dizer que o termo tem um sentido incrivelmente verdadeiro quando pensamos em todas as esferas da vida.

Todas as decisões - profissionais e pessoais - que tomei quando estava com a tal velocidade interna baixa foram acertadas. Os meus maiores sucessos se relacionam com esse "estado de espírito". Se você pensar um pouco a respeito, é provável que chegue à mesma conclusão.

Sou assumidamente apressado e extrovertido, e apontado como hiperativo. Muitas vezes as minhas palavras não conseguem acompanhar o meu pensamento, e por isso, às vezes chego a gaguejar. Por isso tive facilidade de enxergar o benefício de ter a velocidade interna reduzida para tomar decisões.

A calma, o raciocínio lógico, a frieza e o bom senso trabalham em perfeita harmonia quando estamos na condição de velocidade interna baixa. Isso favorece decisões corretas, diminuindo drasticamente as chances de arrependimento.

No fim das contas, o aprendizado é constante e a velocidade interna varia de acordo com os nossos sentimentos e as urgências do dia a dia. Contudo, a partir de agora, a consciência sobre a velocidade interna já existe e, portanto, utilizar esse subterfúgio ao nosso favor pode fazer diferença.

Trabalhar esse controle de velocidade não tem sido, nem de longe, fácil. E não há fórmula para tal. Ao mesmo tempo, não deve ser mentalmente saudável permanecer sempre em velocidade interna baixa. Neste caso o equilíbrio também deve se fazer presente, mas o descontrole não.

A ideia não é construir um robô envolto em racionalidade e frieza, mas diminuir as chances de precipitação que tanto atrapalha os nossos pequenos passos. Afinal, o imponderável pode ser delicioso, desde que estejamos prontos para lidar com ele.