quinta-feira, 31 de outubro de 2013

"Senhor, o que vai querer?" - Me vê uma porção de oportunidade, amigo.

A revista Você SA subliteratura popular de desenvolvimento pessoal está cheia de fórmulas de pseudo-estudiosos que bradam aos quatro ventos milhares de receitas para o sucesso profissional. Nos ensinam que devemos abraçar o mundo, mas a realidade é bem diferente. Uma das receitas mais utilizadas para atrair leitores desesperados ou desatentos, ou ainda para que palestrantes cobrem aos tubos pela apresentação de uma hora é o famoso planejamento de carreira.

Os gurus dos negócios e recursos humanos que me desculpem, mas o planejamento de carreira tão postulado como vital para o sucesso não passa de uma história mal contada para vender livros.

Obviamente, é necessário gastar um considerável tempo pensando em aonde se quer estar em um determinado tempo, traçar um plano para se ter um norte, evitando se perder no caminho. Aliás, quem já não perdeu a conta (eu já) de quantas vezes viu uma menção ao clichê de Alice no Pais das Maravilhas para ilustrar o assunto? A ideia é sempre a mesma: traçar um plano de carreira claro que seja dividido em pequenos objetivos para se atingir o trabalho dos sonhos. O que muitos se esquecem de mencionar é que existe um fator imponderável e que quase sempre rabisca todos os planos feitos previamente. Um fator chamado oportunidade.

Tao subjetiva quanto possa ser, a oportunidade é a diferença entre uma carreira no campo de direito na Nova Zelândia ou no ramo de construção em Angola. Ou as duas coisas! Ou nenhuma delas... Quantas pessoas você conhece que vislumbravam uma carreira com rumos completamente diferentes daquela que de fato percorrem?

Sejamos francos: a carreira nada mais é do que um conjunto de fatores incontroláveis que nos levam para este ou aquele caminho. Uma indicação de um amigo de infância, um recrutador que gostou do seu jeito desajeitado, uma frase cheia de efeito que desagradou na entrevista e te custou aquele trabalho incrível. O desenvolvimento profissional de cada um está, definitivamente, condicionado às oportunidades que serão dadas por, em geral, total desconhecidos. Ou ainda, por estar no lugar certo e na hora certa. Por  uma aplicação feita na internet. Essa é a grande verdade: as oportunidades estão absolutamente fora do nosso controle!

É muito curioso observar profissionais bem sucedidos creditarem o sucesso de suas carreiras à capacidade que tiveram de buscar seus sonhos (que lindo, não é?). Talvez se esqueçam de mencionar que, provavelmente durante a escalada profissional, contaram com oportunidades inesperadas que serviram como catalisador em suas carreiras. O gerente que se aposentou e te indicou para o seu lugar, a empresa que foi comprada, o recrutador que conheceu no bar. Como criar este tipo de oportunidade? Impossível.

Por outro lado, o que está sob o poder de cada um é analisar as oportunidades que aparecem e aproveitá-las. Ou não. Portanto, caros gurus e ávidos leitores da Você SA subliteratura de negócios: desistam da ideia de criar fórmulas mirabolantes e receitas infalíveis para vender revistas/palestras e iludir pobres coitados (como já aconteceu comigo) de que é possível ser o senhor do seu próprio destino profissional.

Procurar uma oportunidade não significa encontrar o que se espera. Às vezes, encontramos algo melhor ou pior. Cabe a nós decidir quais oportunidades utilizar e quais deixar passar. Isto também se aplica à vida pessoal, mas é assunto para um outro post.

terça-feira, 25 de junho de 2013

A beleza da rotina

O conceito da vida perfeita e de realização plena geralmente está ligado à liberdade de ir e vir, e entre o ir e vir, ser capaz de fazer o que bem entender: dormir até mais tarde, ler um livro, andar sem rumo pela cidade. Comer sem culpa aquele prato de comida ou gastar o seu tempo naquela procrastinagem criativa.

Talvez não seja por aí. Tempo livre é, na verdade, um fardo pesadíssimo para se carregar, e para estar estar apto a aproveitar o seu tempo livre é necessário muita maturidade. Ou rotina.

A experiência de ter muito tempo livre para fazer o que bem entender daquilo que é considerado o ativo mais valioso de nossas vidas pode ser frustrante. Todos os planos feitos enquanto o tempo não estava disponível provavelmente cairão por terra quando o peso do tempo livre se fizer presente. Afinal, liberdade demais pode ser mais perigoso do que se imagina.

Há uma crendice com a qual eu sou obrigado a concordar. Algo como "Peça um favor a quem é ocupado. Ele(a) estará apto a lidar com o problema e te ajudará dentro do prazo necessário". É verdade. Quem tem muito tempo de sobra, geralmente não tem tempo pra nada. Contraditório, mas verdadeiro.

É nessa hora que a beleza da rotina deve ser apreciada. "Mas que diabos de rotina que não me deixa viver!". Discordo. É a rotina, a bendita rotina que nos permite aproveitar o tempo livre. Ouso: é a rotina que nos faz desfrutar dos pequenos prazeres da vida, como uma manhã de domingo embaixo das cobertas, um barzinho com os amigos no final de um dia cheio ou, como diria Machado de Assis, na voz de Brás Cubas, tirar as botas apertadas ao chegar em casa. Vale ainda citar o ditado "cabeça vazia é oficina do diabo". Vai ver que é mesmo.

O tempo livre transforma os pequenos prazeres em torturas mentais. Cada minuto a mais na cama é um minuto desperdiçado, não aproveitado. A tarde de papo para o ar torna-se um peso. O passeio no parque, trivial. É entender que "quem mora na praia não vai à praia".

A rotina, portanto, nos permite desfrutar de pequenos prazeres que nem sempre são visíveis aos olhos de quem tem todo o tempo do mundo. O sabor da recompensa de quem segue uma rotina é mais doce.

Um brinde à beleza da rotina, que faz o papel da bota apertada nossa de cada dia.


"Então considerei que as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar. Mortifica os pés, desgraçado, desmortifica-os depois, e aí tens a felicidade barata, ao sabor dos sapateiros e de Epicuro." 
do livro Memórias Póstimas de Brás Cubas

sábado, 9 de março de 2013

Garçom: me vê mais pão e mais circo, por favor.


“Bilhões de dólares foram gastos em estádios e outras obras, mas nós permanecemos em barracos sem energia. Eles pediram para a gente “sentir a Copa” [expressão usada no slogan oficial do evento], mas nós não sentimos nada além da dor da pobreza piorada pela dor da repressão. O dinheiro que deveria ser gasto urbanizando as comunidades mais pobres foi desperdiçado. A Copa do Mundo vai terminar no domingo e nós ainda seremos pobres.”

Essa foi a fala de um jovem de Johannesburgo durante a Copa do Mundo de 2010, em uma reprodução de uma reportagem de Renada Neder já publicada neste mesmo blog. Reflete o sentimento de muitos sul-africanos em relação ao evento. E até agora não tenho motivos para acreditar que em nosso tão amado - e judiado - Brasil será diferente.

Afinal, devemos é ficar orgulhosos de trazer uma copa do mundo e olimpíadas, satisfeitos com o pão e circo.

Vamos fazer uma festa inigualável! Vamos nos fazer conhecidos no mundo todo por sediar festas e competições para todo mundo ver como somos alegres, extrovertidos e receptivos.

Pra quê se preocupar com os problemas agora? Isso fica pra depois, não é?

Mas no "depois" só não vale reclamar quando a infraestrutura deixar a desejar. Quando o transporte público não funcionar. Quando o sistema de ensino não for o ideal ou, ainda, lamentar as mortes nos milhares de -miseráveis- hospitais públicos espalhados pelo Brasil. Mas isso, vamos deixar para depois, não é mesmo? Agora vamos "curtir" os nossos 15 minutos de fama.

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sexta-feira, 1 de março de 2013

Uma vida reticente...


Muitos defendem a ideia de que a vida é feita de fases e deve ser superada a cada obstáculo, sem a audácia de olhar para trás. Afinal, "quem vive de passado é museu".

Discordo. A vida é feita de reticências, não de que pontos finais. A continuidade, a relação entre os acontecimentos, as revoluções de cada dia, os adventos inesperados... Tudo isso é parte fundamental de uma história única. A sua, a minha história. A do vizinho, ou de quem quer que seja.

Não obstante, o que somos e o que pensamos hoje é fruto de uma série de improváveis acontecimentos que, de tão únicos, formaram um indivíduo capaz de se diferenciar dos demais, mesmo vivendo em um mundo recheado de similaridades nos comportamentos, atitudes e opiniões. Mas não há nada tão diverso em nosso mundo quanto nós mesmos...

Aquele atraso de cinco minutos, aquela saideira, a caminhada de um quarteirão a mais... O presente inesperado, o relacionamento inacabado, a frase não dita. Uma vida não é igual à outra. Umas mais, outras menos emocionantes, é verdade...

Talvez não haja evolução humana suficiente que possa entender o motivo pelo qual todos os acontecimentos de nossa vida estejam relacionados e - talvez - tenham conspirado para forjar cada um de nós. Mas o que é fácil entender é que a natureza nos ensina que as reticências são as maiores responsáveis pela vida do que os pontos finais. Ou melhor, ...

Não é necessário um grande exercício intelectual para concordar. Há evidências de reticências em toda parte: O DNA transmitido por gerações e gerações... A constante evolução das espécies... A renovação dos ecossistemas... Os livros e legados que a humanidade insiste em deixar para trás... Tudo em nosso mundo é moldado de modo que a continuidade seja uma constante.

Por isso não há sentido em fechar portas, quebrar laços e esquecer o passado. Em todas as esferas da vida, há de se cultivar, aprimorar, evoluir. Não é preciso muito esforço. Já nascemos com o legado de dar continuidade à civilização, à família, às artes...

Há, contudo, tempo para honrar aquilo que nos faz seres únicos no meio de milhões, bilhões de similares. Valorize suas crenças. Transmita seu aprendizado, aprecie a sua história e deixe o seu legado. Por favor, não encerre sua vida. Seja reticente...
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